ENTREVISTA

Priscila Keiko Matsumoto Martin - Pesquisadora Einstein

Dra. Veronica Bogado - Dermatologista da Rede D'Or e da Universidade Federal Fluminense.

Leandro Rossi -  Presidente da Debra Brasil. 

Quais são os principais desafios no diagnóstico diferencial da epidermólise bolhosa e como distingui-la de outra condição de pele bolhosa?

Veronica Bogado: A epidermólise bolhosa abrange doenças que compartilham três características principais: A transmissão genética, a fragilidade mecânica da pele e a formação de bolhas. É uma doença rara, são genodermatoses causadas por mutação genética das proteínas estruturais da pele que causam bolhas, dependendo da altura da clivagem da bolha sendo derme, epiderme e junção dermoepidérmica elas podem ser mais graves ou mais leves. Embora seja difícil diferenciar o subtipo da epidermólise bolhosa, o diagnóstico é normalmente cogitado em indivíduos com lesões bolhosas persistentes após a primeira infância. As manifestações clínicas dessas doenças variam dos casos mais brandos até as formas gravemente mutilantes até fatais, e diferem quanto ao padrão hereditário. As manifestações clínicas são anormalidades associadas.

Priscila Keiko:  Como a epidermólise bolhosa (EB) é uma doença genética, o exame diagnóstico padrão-ouro é o sequenciamento genético. Por ser uma doença com envolvimento de pelo menos 25 genes, tanto o exoma como o sequenciamento de nova geração de painel dos genes, ou ainda o sequenciamento completo do genoma humano, permite o diagnóstico molecular. Por meio desses resultados é possível ainda fazer o diagnóstico diferencial de outras doenças de pele com sintomas semelhantes aos da EB.  

- Existem medidas preventivas ou estratégias de acompanhamento específicas que devem ser implementadas para garantir a melhor qualidade de vida possível? E quais os desafios no manejo da epidermólise em termos de prevenção de bolhas, controle da dor, tratamento de infecções secundárias e cicatrização de feridas?

Veronica Bogado: O principal cuidado referente a epidermólise bolhosa hoje em dia, é a prevenção dos traumas mecânicos, devendo proteger as áreas mais vulneráveis e evitar atritos na pele. Ainda não há tratamento específico para a epidermólise, mas a terapia gênica está em fase de pesquisa, o tratamento vai depender da gravidade da extensão do acometimento cutâneo e consiste em cuidados gerais com a pele, medidas de suporte para os outros sistemas afetados, tratamentos sistêmicos para as complicações, cuidados com as feridas, suporte nutricional e o controle das infecções são medidas fundamentais no tratamento de todos os pacientes com epidermólise

Existem vários tipos de curativos a base de silicone, a base de lipídio colóide não aderente, curativos com hidrogel, curativos com espuma, curativos absorventes, curativos contendo prata, curativos contendo antimicrobianos, todos eles visando dependendo da gravidade o tratamento da doença. Mas o principal é evitar o dano mecânico. 

O acompanhamento desses pacientes é multiprofissional, porque eles podem ter cáries excessivas por conta dificuldade de fazer a higiene, então é necessário avaliação do odontologista, podem ter microstomia, ulcerações orais, estreitamentos esofagianos, então avaliação com o gastro porque se tem também lesão ao longo do tubo digestivo, cuidados com a constipação então dieta tem que ser adequada, dieta liquida rica em fibras; É Importante observar o retardo de crescimento devido a desnutrição, então deve conter o acompanhamento de um nutricionista pois é um profissional fundamental para esses pacientes para evitar as carências nutricionais, anemias e tudo mais, e também muito importante é a parte psicológica e psiquiátrica, acompanhamento da criança e das famílias também que ficam completamente envolvidas com a situação. 

Priscila Keiko: Houve o desenvolvimento do PCDT (Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas) para epidermólise bolhosa, em 2019. Mas o maior desafio é implementar o protocolo e as diretrizes em todo o país para que de fato alcance todas as pessoas com EB. 

Centralizar o cuidado e assistência onde haja acompanhamento multidisciplinar é o que tem funcionado melhor em outros países, como Áustria, Reino Unido, Alemanha e Chile. A Debra, uma organização que apoia famílias e pessoas com EB, atua como referência nesses serviços, que reúnem tanto médicos especializados e treinados, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, serviços de diagnóstico e também pesquisas. 

Viver com EB é um desafio diário, com altos e baixos da doença, particularidades de cada tipo e subtipo, e há grande variabilidade nos cuidados de cada pessoa. Ainda assim, muitos problemas podem ser solucionados com mais informação e treinamento. 

Temos que divulgar e combater o preconceito, incentivar as pesquisas e buscar recursos para elas e garantir que as pessoas com EB tenham de fato acesso às melhores tecnologias, terapias e curativos disponíveis. Tudo isso é caro para essas pessoas, e esse é ainda um enorme desafio. 

Existem abordagens promissoras no desenvolvimento de terapias para epidermólise bolhosa? Quais os avanços recentes nessa área?

Priscila Keiko: Existem duas pomadas para o tratamento das feridas crônicas, mas nenhum tratamento que envolva cura da doença. Ainda assim, eles promovem melhora da qualidade de vida e prevenção da evolução das feridas. A cicatrização das feridas é acelerada com o uso dessa pomada, que tem em sua base o extrato de ruibarbo. 

Recentemente uma pomada que entregou duas cópias do gene colágeno do tipo 7 por meio de um vetor viral que não causa doença também foi aprovada pela agência regulatória americana, a FDA. Essa pomada é aplicada nas feridas de pessoas que têm epidermólise bolhosa distrófica, devido à ausência ou falta parcial desta proteína na pele. 

Outras terapias estão em fase clínica, da qual depende o lançamento de novos produtos. 

Nota EB

"Nas minhas buscas, encontrei que a cada quatro crianças, uma sofre com a doença." A estatística está errada.

No mundo existem aproximadamente 500-600 mil pessoas com EB. E no Brasil há cerca de 3.000 pessoas com EB. A prevalência geral é de 1 para cada 65.000 ser vivo no Brasil, ou seja, dentro da estatística de super raras.

A epidermólise bolhosa (EB) é uma doença multissistêmica hereditária, não contagiosa e ainda sem cura.

Epidermólise bolhosa (EB) não é o nome de uma única doença de pele, mas sim um grupo de doenças clinicamente e geneticamente diferentes. Sua característica comum é a formação de bolhas. As bolhas se formam ao mínimo atrito na pele e/ou membranas mucosas. A EB engloba quatro tipos principais: EB simples (EBS), EB juncional (EBJ), EB distrófica (EBD) e EB Kindler (EBK), com mais de 30 subtipos que diferem pela localização na camada de pele na qual as bolhas são formadas e pela causa genética.

A pele normal possui um cimento especial para mantê-la íntegra. Esse cimento é formado por uma proteína chamada colágeno. Ele é responsável pela união das células da camada mais superficial da pele com a camada mais interna. Isso dá resistência à nossa pele proporcionando-lhe uma função protetora. Nas pessoas com EB, esse colágeno é ausente ou alterado. Isso leva ao descolamento da pele com formação de bolhas ao mínimo atrito. Por esse motivo as pessoas que vivem com EB são conhecidas como “Borboletas”, pois a pele se assemelha às asas de uma borboleta por causa da sua fragilidade. A pele se desloca por trauma, pelo calor excessivo e até mesmo de forma espontânea, causando bolhas dolorosas. Os sintomas podem variar de leve a grave, conforme o tipo/subtipo da doença.

As bolhas geralmente aparecem logo após o nascimento e por ser uma doença rara, poucos profissionais de saúde têm conhecimento dos cuidados com o recém-nascido, o que pode aumentar ainda mais os traumas. Se um bebê nasceu com suspeita de epidermólise bolhosa, entre em contato com a DEBRA Brasil IMEDIATAMENTE, e nós enviaremos o KIT Borboletinha, além do apoio técnico da nossa equipe de voluntários.

A EB se classifica em quatro tipos principais, conforme o nível de formação das bolhas:

Epidermólise bolhosa simples – EBS (70%) – A formação das bolhas é superficial e não deixa cicatrizes. O surgimento das bolhas diminui com a idade.

Epidermólise bolhosa juncional – EBJ (5%) – As bolhas são profundas, acometem a maior parte da superfície corporal e por isso é a forma mais grave e o óbito pode ocorrer antes do primeiro ano de vida. Mas uma vez controladas as complicações, a doença tende a melhorar com a idade.

Epidermólise bolhosa distrófica – EBD (25%) – As bolhas também são profundas e se formam abaixo da epiderme, na derme, abaixo da membrana basal, o que leva a cicatrizes e muitas vezes perda da função do membro. É a forma que deixa mais sequelas.

Epidermólise bolhosa Kindler – EBK (raro) – Descrita mais recentemente, apresenta um quadro misto das outras formas anteriores e as bolhas podem se formar em qualquer nível da derme, entre a lâmina lúcida e a lâmina densa. Apresenta bolhas, sensibilidade ao sol, atrofia de pele, inflamação no intestino e estenose de mucosas.

Hereditariedade

O diagnóstico laboratorial é essencial para determinar o subtipo de EB e a causa exata dele nos níveis genético e protéico. Existem dois métodos principais usados no diagnóstico laboratorial de EB: teste genético e análise de amostras de pele. O teste genético é sempre recomendado para o diagnóstico de EB. A EB pode ser herdada de três maneiras:

Herança autossômica recessiva: ambos os pais são saudáveis, mas são portadores do gene de EB. Para qualquer filho deles nascer com EB, ele precisará herdar a variante causadora da doença de ambos os pais. Há uma chance de 25% disso ocorrer.

Herança autossômica dominante: um dos pais é afetado e passa o gene alterado para o filho. Há 50% de chance de qualquer filho deles nascer com EB.

Herança “de novo”: uma variante causadora de doença ocorre espontaneamente pela primeira vez em uma pessoa. Nessa situação, ter um segundo filho ou mais com EB dos mesmos pais é muito raro. Por outro lado, a pessoa portadora de uma variante “de novo” tem 50% de chance de transmitir a variante (e EB) aos filhos.

- Como funciona a DEBRA Brasil?

A Debra Brasil é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com foco técnico e científico, dedicada em 4 eixos de atuação:

Atendimento às pessoas com EB

Capacitação dos profissionais de saúde

Técnico/ científico: desenvolver e participar das principais iniciativas de pesquisas da cura

Políticas públicas: advogar e suportar tecnicamente para que tenhamos uma política pública adequada no Brasil.

- As pessoas entram em contato e passam por lista de espera?

Atendemos todas as pessoas do Brasil e fora que entram em contato com a Debra Brasil. Não operamos com atendimento somente de pessoas cadastradas. A Debra é ampla e sem restrição, e suporta qualquer pessoa que nos procure, com base nos protocolos e conhecimentos técnicos desenvolvidos. Atendemos basicamente a dois principais grupos:

Profissionais de saúde

Pessoas com EB e suas famílias

- Como funciona o suporte?

- Vocês conseguem dar conta da demanda?

A demanda técnica de atendimento sim. Porém, a Epidermólise Bolhosa demanda muitos insumos para os cuidados de maneira correta, e não temos um programa assistencialista, onde de fato todas as pessoas pudessem ser atendidas e ter acesso às melhores tecnologias.

- Existe alguma atuação de vocês junto com o Ministério da Saúde?  - Existe atendimento no SUS para essas crianças?

Construção de políticas públicas é uma das nossas principais prioridades de atuação. Desde 2019 participamos ativamente e lutamos para a construção de um PCDT - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas para Epidermólise Bolhosa, e o mesmo foi aprovado definitivamente em Dezembro/ 2021, com o apoio da comunidade científica do Brasil e também das associações de famílias com Epidermólise Bolhosa. Foi um esforço muito grande para conseguirmos ter esse protocolo aprovado.

Porém, o mesmo ainda não saiu do papel, e desde 2022 estamos buscando junto ao Ministério da Saúde, CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde dos estados e também CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde para que o protocolo saia do papel e chegue definitivamente na ponta, nas cidades e estados, onde as pessoas vivem e possam ter acesso.

Uma vez aprovado o protocolo, nós como membros da sociedade civil, imaginávamos que seria uma sequência automática e padronizada para iniciar o atendimento no SUS para as pessoas com EB. Porém, não é tao simples assim. Estamos tendo que construir a agenda após a aprovação do protocolo, que consiste em estabelecer o fluxo para os atendimentos e acessos, a verba/ o orçamento para que as redes públicas ou privadas vinculadas ao SUS possam atender as pessoas com EB. Esse é um grande desafio e a minha maior batalha individual e dedicação do meu tempo.

Para se ter um acesso a um tratamento digno para as pessoas com EB, o mesmo só ocorre através de judicialização dos estados ou municípios, e mesmo após determinação da justiça muitas pessoas ainda ficam sem os produtos necessários para o tratamento, por atrasos, descasos, entre outras razões. A EB não possui insumos de alto custo como o Zolgensma para a Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo I, custa cerca de R$6 milhões. Porém, por não ter cura, o tratamento é paliativo e diário, o que faz com que o custo mensal para um tratamento digno pode variar de R$30 a R$70mil, dependendo da necessidade e da severidade da pessoa com EB.

- Existe alguma pesquisa que mostra a expectativa de vida das pessoas com EB?

Um dos nossos lemas é: A EB não nos define. Ou seja, as pessoas com EB podem ter uma vida com toda a capacidade e vontade delas. Porém, exige cuidados e acompanhamento de rotina. As pessoas com EB são muito capazes e muito inteligentes. Não podem ser infantilizadas e tratadas à margem das suas capacidades. Elas precisam de cuidados, mas acima de tudo respeito e inclusão por todos nós da sociedade.

Mas voltando a sua pergunta vou falar sobre expectativa de vida e em separado sobre pesquisas. A expectativa de vida pode variar dependendo do tipo/ severidade da doença. Temos pessoas com idade adulta, 60 anos, etc e o segredo da expectativa de vida é a qualidade de tratamento que a pessoa tem acesso durante sua vida. Essa é a razão principal para expectativa de vida.

Atualmente, temos o maior investimento em pesquisas para a cura da EB, como nunca se teve na história, e também o maior número de pesquisas de forma global. Inclusive no último mês foi divulgada a primeira terapia gênica lançada nos EUA, para a Epidermólise Bolhosa. Nos traz uma grande esperança, pois o caminho para a cura não é tão simples e fácil, mas a edição gênica é a rota mais provável. Nos enche de esperança quando vemos tais avanços. A empresa Krystal Biotech lançou o produto VYJUVEK (https://www.vyjuvek.com/) , com uma grande capacidade para melhoria de qualidade de vida, para um tipo de EB - a distrófica somente. Destinado ainda somente ao mercado dos Estados Unidos, onde será comercializado a partir do 3o trimestre de 2023. Porém, o custo deste medicamento é cerca de USD 24 mil/ ampola, e que deverá ser usada semanalmente. Ou seja, um tratamento anual poderá chegar a cerca de USD630mil/ ano. Acompanhe no canal da debrabrasilEB no instagram que faremos uma live com essa empresa para tirar todas as dúvidas da sociedade, na 4a feira dia 05/07 às 18h.

O caso do Gui foi muito importante para dar visibilidade a causa e temos que aproveitar e contar com todo o apoio da imprensa, da comunidade para que possamos de uma vez por todas implementar o tratamento no SUS. Este é o meu motivador para continuar na Debra Brasil: levar e implementar em definitivo um tratamento digno para as pessoas.