FIBRINA RICA EM PLAQUETAS NO TRATAMENTO DE LESÕES CRÔNICAS: UM ESTUDO DE CASO.

PLATELET-RICH FIBRIN IN THE TREATMENT OF CHRONIC INJURIES: A CASE STUDY 

FIBRINA RICA EN PLAQUETAS EN EL TRATAMIENTO DE LESIONES CRÓNICAS: UN ESTUDIO DE CASO

Willamys Antonio Oliveira Santos - Universidade estadual de Londrina. https://orcid.org/0000-0001-5364-4481

Maria Clara Giorio Dutra Kreling - Universidade Estadual de Londrina (UEL). https://orcid.org/0000-0002-8241-2994

Crysthianne Cônsolo de Almeida Baricati - Universidade Estadual de Londrina (UEL). https://orcid.org/0000-0001-6810-8008

Mara Cristina Nishikawa Yagi - Universidade estadual de Londrina. https://orcid.org/0000-0003-4797-8930

Márcia Eiko Karino - Universidade estadual de Londrina. https://orcid.org/0000-0002-6582-2801

Recebido: 14/02/2023

Aprovado: 01/06/2023

INTRODUÇÃO

Com o avanço da ciência na área da saúde, diversas tecnologias foram apresentadas como alternativas no tratamento de lesões de pele. Como reflexo disso, podemos observar as inúmeras opções de produtos e tecnologias especializadas para o tratamento de feridas cutâneas disponíveis no mercado atual.

Contudo, quando falamos de feridas crônicas, como por exemplo as lesões por pressão (LP), que são áreas da pele onde forças de pressão ocasiona a morte celular e perda da integridade tissular1, a depender dos fatores de risco associados, tais lesões podem atingir o status de ferida crônica, com o paciente passando meses ou até mesmo anos sem que a cicatrização esteja concluída2.

Em cenários como esse, mesmo com a aplicação dos princípios do curativo ideal, o indivíduo apresenta fatores que lentificam o processo de cicatrização, postergando o uso das coberturas. Para tal, faz-se necessário o emprego de materiais e técnicas específicas para abordagem desta condição. A utilização da fibrina rica em plaquetas (FRP) obtida de forma autóloga surge, como uma opção promissora para o tratamento de lesões crônicas.

O uso da FRP no tratamento de feridas se justifica pela liberação de fatores de crescimento, citocinas e moduladores da matriz extracelular, que juntos atuam na reparação do tecido lesionado por meio da revascularização local, restabelecimento do tecido conjuntivo e diferenciação de células-tronco mesenquimais em células do tecido lesado3.

O objetivo deste trabalho foi analisar o processo de cicatrização de uma paciente portadora de lesão por pressão com o uso da FRP como tratamento.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de caso de uma paciente atendida em um ambulatório de especialidades de um hospital Universitário no interior do estado do Paraná entre março e junho de 2022.

Para inclusão da paciente na pesquisa, foi analisada a adequação da mesma em critérios de inclusão pré-estabelecidos baseados no estudo de Pinto4 e adequados a disponibilidade material da unidade concedente, sendo eles: estar cadastrado no Ambulatório de Especialidades do Hospital das Clínicas do Hospital Universitário; ser maior de 18 anos de idade, de ambos os sexos, sem êxito com as terapêuticas convencionais há mais de três meses; concordar em participar da pesquisa, ser assíduo no comparecimento às consultas; estar com o leito da ferida sem infecção, totalmente desbridado, ou seja, com ausência de tecido necrótico; estar com o hemograma, coagulograma completo e glicemia dentro dos parâmetros de normalidade; não apresentar lesões tumorais ou com suspeita de malignidade, ter condições para o acesso venoso periférico em membros superiores; ter um acompanhante em todas as consultas ao ambulatório de curativos, de forma a receber todas as informações sobre o tratamento e orientações sobre os cuidados com o curativo no domicílio4.

A FRP foi obtida a partir de amostras de sangue coletadas via acesso venoso periférico em tubos de 10 ml. O sangue coletado foi imediatamente centrifugado de modo a promover a coagulação concomitantemente com a separação da fibrina rica em plaquetas dos demais compostos que decantam para o fundo do tubo de coleta. Por fim, o coágulo foi transformado em uma membrana, para então ser aplicado sobre o leito da lesão a ser tratada5.

Para a avaliação da evolução da cicatrização da lesão, no dia de início do tratamento e a cada troca semanal foram realizados registros fotográficos com câmera digital a uma distância focal fixa, mensurações milimétricas e descrições da evolução da ferida. Por fim as imagens foram submetidas à análise via Software ImageJ para realização da planimetria e obtenção da área lesionada em cm2, tendo uma escala milimetrada posicionada na posição inferior da imagem como base para calibração do aplicativo.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer n°4062816 com CAAE n° 29644320.8.0000.5231. A paciente foi orientada quanto aos objetivos do estudo, bem como quanto ao caráter experimental da pesquisa, sendo consentido pela paciente mediante assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Paciente do sexo feminino, 64 anos, consciente, orientada, baixa acuidade auditiva, hipertensa, fazendo uso do medicamento Losartana por via oral. No ano de 2021, permaneceu em internação hospitalar durante três meses devido a complicações da COVID19, desenvolvendo LP em região sacral, permanecendo sem cicatrização até a alta hospitalar. Desde então, passou a ser acompanhada pela Unidade Básica de Saúde onde recebia orientações e insumos para realização do curativo diário em domicílio.

 Devido a não progressão da cicatrização, após sete meses recebendo o tratamento convencional, foi encaminhada para o ambulatório de especialidades, na expectativa de encontrar novas tecnologias que pudessem propiciar a cicatrização da lesão.

Quando avaliada pela equipe, a mesma encontrava-se acompanhada pela filha que relatou que auxiliava nos cuidados com a lesão, bem como na troca das coberturas. Observou-se, desde a primeira consulta no ambulatório, que a paciente apresentava interesse pela cura da lesão, pois se preocupava com sua imagem corporal.

Devido a presença de tecido desvitalizado recobrindo a lesão, a aplicação da FRP somente foi realizada após três semanas de preparo do leito, onde a paciente recebeu orientações relacionadas ao manejo e trocas diárias do curativo no domicílio, além dos curativos semanais realizados no ambulatório. Foi utilizado o produto hidrogel com alginato como agente desbridante, de modo a expor o tecido de granulação para iniciar a aplicação da FRP.

Durante o acompanhamento, foram realizadas nove aplicações da FRP, com a mesma apresentando boa evolução da lesão, medindo inicialmente 5,9 x 3,1 cm de extensão (12 cm2) até a completa cicatrização.

IMAGEM 1: (A) Lesão antes de iniciar o tratamento com a FRP; (B) primeira aplicação da fibrina; (C) Último atendimento na paciente.

Ressalta-se que, durante a semana que antecedeu a sexta aplicação, a paciente foi hospitalizada devido a uma queda da própria altura, levando à interrupção do tratamento por quatro semanas.

No retorno, observou-se piora no aspecto da lesão (Imagem 2), além do aumento da extensão da mesma. Desde então, foram realizadas mais quatro aplicações da FRP, obtendo a completa cicatrização.

IMAGEM 2: (A) Lesão antes de internação; (B) Lesão após período de internação.

Mesmo após a completa cicatrização da área acometida, a paciente seguiu sendo acompanhada, visto que a região apresentava-se descamativa e ressecada, sendo orientada a utilização de hidratante no local, apresentando melhora.

Tabela 1: Características analisadas da lesão por pressão da paciente na primeira e última aplicação durante consulta de enfermagem no ambulatório. Paraná, 2022.

Parâmetros analisados

Primeira Aplicação

Última Aplicação

Dimensão da lesão em cm2 (Data)

12 cm2 (04/03/2022)

0 cm2 (29/06/2022)

Características do leito

100% granulação

100% Epitelizado

Exsudato

Seroso (2/4+)

Ausente

Dor

Não

Não

Tratamento

FRP

Umectante

DISCUSSÃO

Por meio da anamnese deste estudo de caso, constatou-se que a paciente, de 64 anos, no período em que permaneceu internada para tratamento de COVID 19 desenvolveu uma LP em região sacral na Unidade de Terapia Intensiva. Pacientes idosos são mais propensos a sofrerem com o surgimento de lesões por pressão6. Cenário esse que se agravou devido ao aumento no número de internações com a pandemia de COVID19 nos anos de 2020 a 20217. As situações de internações em UTI, devido às terapêuticas para tratamento das disfunções orgânicas e instabilidade hemodinâmica, o paciente crítico tem a mobilidade física dificultada predispondo pressão em várias áreas com proeminência óssea, além da exercida pelos dispositivos médicos, resultando em LP8.

Tais fatores também podem prejudicar a cicatrização das LP já instaladas, e no caso da paciente em estudo, após a internação de um período de três meses, a mesma permaneceu com a LP grau III em tratamento domiciliar, sendo acompanhada pela Unidade Básica de saúde durante sete meses, sem melhora da cicatrização da lesão. Vale ressaltar, que quando a paciente procurou o ambulatório de especialidades do Hospital Universitário, se encontrava consciente, orientada e deambulando com auxílio, além de possuir uma cuidadora comprometida com a recuperação da paciente.

 Mesmo com a lesão por pressão em estágio de cronicidade, diversos fatores podem ter contribuído para a boa evolução da lesão desta paciente com o tratamento com FRP. Dentre eles podemos destacar a independência funcional da paciente, a excelente aceitação, por parte da mesma e de sua cuidadora, quanto às orientações referentes aos cuidados com a manutenção e troca do curativo, e assiduidade nos comparecimentos para a realização das aplicações da FRP.

Devido à interrupção do tratamento, por ocorrência de uma fratura em membro superior esquerdo e hospitalização, notou-se um aumento do tamanho da lesão (IMAGEM 2), provavelmente pelo fato da mesma ter tido dificuldade para a mudança de decúbito em decorrência da cirurgia no braço, sendo a pressão, um fator de risco para o agravamento da LP. Estudos realizados com a população idosa revelam que a idade não leva a ocorrência de queda, mas aumenta a prevalência de fatores de risco que juntos elevam as chances do indivíduo sofrer não só com a queda, mas com complicações associadas, tal como a hospitalização5.

Durante o acompanhamento da paciente, antes e depois da internação devido à fratura,  observou-se que o uso da FRP foi eficaz para promover a cicatrização da lesão (IMAGEM 1), o que está em concordância com um estudo realizado no Chile, com quarenta pacientes com úlceras crônicas, havendo fechamento total das lesões de trinta e dois pacientes, sendo que os oito pacientes remanescentes se desligaram no decorrer das aplicações da FRP, entretanto, apresentaram uma diminuição expressiva das áreas das lesões4.

Além do papel fundamental das plaquetas na hemostasia, evidências experimentais e clínicas as identificam, como células moduladoras de outros processos fisiopatológicos, incluindo inflamação e regeneração tecidual. Esses fenômenos são mediados através da liberação de fatores de crescimento, citocinas, e moduladores da matriz extra celular, que de forma sequencial promovem a revascularização do tecido danificado através da indução da migração, proliferação, diferenciação e estabilização  de células endoteliais em novos vasos sanguíneos, restauração do tecido conjuntivo danificado através da migração, proliferação e ativação dos fibroblastos (células  produtoras de colágeno) e proliferação e diferenciação das células mesenquimais em tipos de células específicas do tecido3.

Em revisão de literatura, diversos estudos demonstraram que os fatores de crescimento derivados das plaquetas são os principais responsáveis pela regeneração tecidual, ressaltando que o PDGF (Fator de crescimento derivado de plaquetas) é considerado iniciador universal da maior parte do processo de cicatrização9.

A Fibrina rica em plaquetas representa, portanto, uma terapia adjuvante segura, conveniente e fácil de usar, com potencial significativo para fechar feridas crônicas sem eventos adversos.  Considerando a eficiência, o baixo custo e a segurança do uso de um “coágulo sanguíneo otimizado” autólogo, essa opção terapêutica deve ser conhecida e considerada para o tratamento de úlceras refratárias da pele, pois os benefícios aos pacientes serão inúmeros, principalmente em relação à melhora da imagem corporal, autoestima e qualidade de vida, prevenção de complicações em decorrência das lesões, diminuição de custos pessoais e dos serviços de saúde10, retorno ao trabalho e convívio social, entre outros.

CONCLUSÃO

Conclui-se com este caso de aplicação da FRP, que vislumbra-se uma opção de tratamento para lesões crônicas com resultados promissores para a cicatrização em um tempo menor, quando comparado aos tratamentos convencionais.

Apesar da interrupção do tratamento devido a internação hospitalar, durante os três meses de acompanhamento, houve uma expressiva diminuição da extensão do leito da lesão com o uso da fibrina rica em plaquetas, evoluindo com o fechamento completo da mesma. Acredita-se que este tempo poderia ser reduzido, caso não tivesse havido a internação da paciente durante o tratamento com FRP. Visando a compreensão da efetividade e aplicabilidade da FRP no tratamento de lesões em diferentes contextos, novos estudos se fazem necessários sobre esta terapia.

REFERÊNCIAS

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  6. Moura SRS, Melo DPL, Rocha GMS, Cruz ERC. Prevalência de lesão por pressão em um hospital geral. Rev. Acervo Saúde. 2020 out [citado em 14 jan. 2023]: 12(10), e4298. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/4298
  7. Mota BS; et al. Lesão por pressão em pacientes internados em unidades de terapia intensiva e profissionais de saúde durante a pandemia da COVID-19. Braz. J. Desenvolver. 2021 [citado em 14 de janeiro de 2023]; 7 (4): 43066-43082. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/28998.
  8. Campos MMY, Souza MFC, Whitaker IY. Risco para lesão por pressão em pacientes de unidade de terapia intensiva. Rev Cuid. 2021 Mai/Ago [Citado em 19 dez. 2022]: 12 (2), e1196. Disponível em: https://revistas.udes.edu.co/cuidarte/article/view/1196
  9. Costa, PA.; Santos, P. Plasma rico em plaquetas: uma revisão sobre seu uso terapêutico. RIES, 2016: v3, Especial, p. 68-70.

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